Eu tenho a teoria de que todo adolescente é estúpido. Sim, todos. Absolutamente todos. 100% deles.
Ok, ok, provavelmente existem por aí algumas exceções, mas eu definitivamente não sou uma delas. No máximo no máximo, sou self-aware, isso é, eu percebo o quão objetivamente idiota é o que eu estou fazendo, ou sentindo, sendo impulsionado pela burrice característica dessa fase da vida.
Mas eu continuo fazendo, e sentindo. Não tenho como evitar. É simplesmente uma constante universal: um adolescente está destinado a fazer as besteiras mais vergonhosamente estúpidas do mundo, e o único remédio pra isso é sair da adolescência, sem morrer antes disso – feito muitas vezes tornado mais difícil, aliás, justamente por causa de algumas besteiras adolescentísticas particularmente retardadas. Sim, adolescentísticas. Isso a partir de agora é uma palavra, não importa quantas linhas vermelhas o Word coloque embaixo dela. E eu decreto seu Aurélio oficialmente desatualizado.
Mas, como eu dizia, todo adolescente é estúpido. Eu incluso. E esse é um conto sobre uma das situações mais adolescentísticas da minha vida. Aconteceu há alguns meses atrás, e minha memória nunca foi das melhores, mas de qualquer forma, posso dizer que a maior parte do que for narrado aqui tem um grau razoável de fidelidade com o que de fato ocorreu. Não que faça muita diferença pra você. Enfim.
O nome dela era Saya. Me senti atraído por ela no momento em que a vi. Ela era, de longe, uma das pessoas mais lindas que eu já tinha visto. Essa opinião continua até hoje, aliás. Ela tinha cabelo escorrido, e preto bem escuro, contrastando com a pele, que era branquinha, mas sem ser branca demais. Os olhos, puxados bem de leve, mas o suficiente para deixar clara sua ascendência oriental, eram também grandes, dando à ela uma aparência inocente, jovial, quase infantil mesmo. Se não me engano, ela tinha covinhas nas bochechas quando sorria. Ou talvez não. Eu avisei que minha memória não era das melhores. Vamos fingir que ela tinha covinhas. Ela era também mais ou menos da minha altura, ou, em outras palavras, estava bem no limiar entre “normal” e “baixinha”.
Mas, mais importante de tudo, caro leitor – e aqui começa a parte adolescentística da história -, ela era caixa de um quiosque num dos parques de diversão da Disney.
Havíamos, eu e minha família, acabado de sair de um brinquedo que, sendo uma das principais atrações daquele parque, tinha uma fila bem longa. Logo ao lado da saída, havia banheiros, e depois de quase uma hora esperando em pé tendo como tomar refrigerante a única forma de passar o tempo, foi ali que meus pais e minha irmã se encaminharam.
A alguns metros dali, havia um quiosque, vendendo algumas bugigangas quaisquer com o tema do parque, e alguns doces sortidos. Essa é a primeira vez da minha vida que eu uso a palavra “sortidos”, aliás. Acho que só conheço essa palavra por tê-la lido em caixas de bombom Garoto. Afinal, existe algum contexto em que essa palavra seja usada que não se relacione com guloseimas…?
Enfim. Onde é que eu tava mesmo? Ah sim. O quiosque com os doces. Então. Lá estavam os doces, e o quiosque. E, atrás do balcão do quiosque, estava ela. Portando um seduzente Uniforme do Quiosque 17 Tamanho Médio – Lavar antes de devolver (é o que eu imagino que estivesse escrito na etiqueta), e entregando a um cliente qualquer os doces por ele recém-adquiridos.
Desnecessário dizer, eu estava encantado. A infância regada a desenhos animados japoneses e video-games me garantiu uma pré-disposição à atração pelas descendentes de terras mais à direita do mapa-mundi, mas ela era diferente. A atração foi, como dizem, à primeira vista.
Visto isso, eu fiz o que qualquer ser humano são, centrado e correto faria: eu fui para trás de uma prateleira particularmente alta de alguma mercadoria merchãdística qualquer, e fiquei observando a coitada da menina de lá. E sim, merchãdística. De merchã. O texto é meu e eu invento quantos adjetivos eu achar conveniente. Pare de encher o saco e me deixa continuar minha história, caralho.
Como eu dizia, eu fiquei de longe, dando regulares espiadas para dar uma olhada na garota. Aqui, aliás, é um ponto em que não importa o quão boa fosse a minha memória, eu não tenho como relatar essa parte de forma confiável. Na minha cabeça, eu era praticamente James Bond, me camuflando perfeitamente entre os transeuntes e as estantes de produtos, ocasionalmente pegando uma mercadoria ou outra para disfarçar, enfim, sem deixar ninguém perceber meu real objetivo ali.
Na realidade, o mais provável é que eu estava disfarçando tão bem quanto o Mister Bean.
Not creepy at all.
Super espião internacional ou personagem de comédia inglesa, a verdade é que eu estava lá, meio escondido, meio disfarçando. E as minhas “observações” (estou me sentindo mais e mais como um psicopata conforme vou escrevendo esse texto) me levaram à seguinte conclusão: a menina devia ser muito gente boa.
De verdade. Ela tratava todo mundo, sem exceção, com uma boa vontade do tamanho do mundo. Atendia todos os clientes com um sorriso no rosto, e com as hipotéticas covinhas acompanhando. Vez ou outra, a via conversando com uma das outras atendentes do local, e ela estava sempre sorrindo, aqueles sorrisos honestos que você inconscientemente acompanha. E ria com algo que a colega de trabalho tinha dito, ou ia cumprir algo que a mesma pediu, com a mesma felicidade de sempre. Ok, é difícil de falar “de sempre” tendo apenas, o que, 10 minutos (minha mãe e irmã, como de costume, demoraram no banheiro) de dados pra computar, mas você me entendeu. Fiquei ainda mais encantado.
E aí vem a parte triste. Tanto pra mim, na hora, quanto pra mim agora escrevendo isso e pra você lendo, que teremos agora que passar por um momento de tão intensa vergonha alheia. Prepare-se.
Chegaram minha mãe e irmã. Veio a mim a realização: o meu pequeno momento “com” a Saya estava prestes a acabar. Não que eu tivesse qualquer esperança ali, minha estupidez de jovem não chegou a níveis tão altos de achar que realmente poderia acontecer qualquer coisa ali. Só cogitar a possibilidade já seria estúpido.
Mas bateu uma tristeza, sabendo que eu com certeza nunca, NUNCA mais a veria. Então botei na minha mente: “Eu vou falar com ela, qualquer coisa. Só pra não dizer que eu nunca tive nem o menor nível de interação com ela”.
Eu sei, leitor. Eu estou com tanta vergonha alheia quanto você. Vergonha alheia de mim mesmo, veja só você.
Pois então. Obviamente, o jeito mais fácil de fazer isso seria comprando alguma coisa. Passei por uma prateleira, peguei um doce qualquer, se não me engano, um Chokito, olhei o preço – dois dólares -, e fui até o balcão. Admito, com vergonha sincera agora, que meu coração estava acelerado. Botei o bombom e o dinheiro na bancada. Contato visual estabelecido. “CALMA, SEU IMBECIL, CALMA”, pensei.
– Vai querer mais alguma coisa? – perguntou Saya, em inglês, simpática como “sempre”.
– Não, só isso. – respondi, também em inglês. Me senti como uma fã do Justin Bieber (“ELA FALOU COMIGO OMG”).
– Não… – olhando pro balcão – …não tem dinheiro o suficiente.
Pânico. “EU DEFINITIVAMENTE COLOQUEI DOIS DÓLARES ALI”. Olhei pra ela confuso.
– …Impostos.
Me dei um tapa mental na testa. “Óbvio”. Pra quem não sabe, lá os impostos não são já incluídos na etiqueta como aqui. Ao invés disso, vem somente o preço do produto mesmo, e os impostos são computados na hora do pagamento. Então, se algo tem na etiqueta o valor de um dólar, na prática você terá que pagar um dólar + alguns centavos dos impostos. “Claro que você não ia passar os únicos 30 segundos da sua vida em que você fala com ela sem cometer nem ao menos um erro idiota”. Mas tentei manter a calma.
– Ah sim. Aqui.
– Obrigada.
Ela operou a maquininha do caixa ali por uns dois segundos, mas que pra mim duraram uma eternidade. Eu estava vidrado.
– Prontinho. Obrigada, e volte sempre!
– Obrigado… – dou uma olhada para o crachá dela, como se eu já não o tivesse lido várias vezes – …Saya.
Por uma fração de segundo ela aparentou estar confusa, mas então entendeu.
– Ah sim! – apontando para o crachá. E deu uma risada.
Ela deu uma risada. Eu fiquei EUFÓRICO. “ELA DEU UMA RISADA”.
Nunca, na minha vida, eu me senti tão feliz ao ouvir uma risada. Eu senti uma honesta paz de espírito naquele momento. Sabia que eu havia, nem que de uma forma inimaginavelmente pequena e não importante, causado um pouco de felicidade para o alvo da minha paixão platônica. Não importava se ela se esquecesse daquele momento 30 segundos depois de ele ocorrer, como provavelmente aconteceu. Como em todos os casos de atração unilateral, ainda mais num caso extremo como esse, o que importava é que eu lembraria. E, como pode-se ver, eu lembrei. Talvez não das covinhas, ou da falta delas, mas lembrei.
E fui embora. Dei uma risada de resposta (aquele clássico “haha” + sorriso para indicar que, ei, que bom que você gostou do que eu disse), dei uma última olhada pra ela, me despedi mentalmente, e fui embora. Minha família ia conversando sobre sei lá o que, e eu apenas pensando na Saya – ah, Saya –, e já sentindo vergonha de mim mesmo pelo grau de idiotice de tudo o que eu tinha feito nos últimos 10 minutos.
Olhei o Chokito na minha mão de forma quase carinhosa. Então o abri. Eu até diria que aquele Chokito teve sabor de saudade, mas isso seria de uma baitolagem extrema.
…Ah, quer saber? Não ligo. Viado é o corno do seu pai. Teve sabor de saudade sim. Saudade da Saya. Ah, Saya…